GLAUCO DINIZ DUARTE – Pioneiro no país, parque eólico do Morro do Camelinho acabou abandonado
Os sopros que varrem a Serra do Espinhaço, a única cordilheira do Brasil, chegam a atingir mais de 43 quilômetros por hora. Uma velocidade invejável, superior aos ventos encontrados em diversos estados brasileiros e nações mundo afora. A potência das massas de ar que lambem os desfiladeiros e mergulham entre os vales do Espinhaço é tal que poderia gerar 32 gigawatts (GW) de energia elétrica – mais de duas vezes a potência instalada de Itaipu, que é de 14 GW– se movessem as pás de torres eólicas entre aquelas serras. Grandeza que representa 80% de toda a capacidade mapeada no estado de Minas Gerais, de acordo com estudos da Cemig. Um tesouro diferente, reservado pelos picos e colinas mineiras, mas que até o momento está inexplorado, apesar de algumas tentativas, como mostra esta reportagem, a oitava da série Montanhas de Histórias. Desde março, o Estado de Minas retrata as tradições e riquezas do estado mais montanhoso do Brasil pela perspectiva dessas formações, que desenharam os contornos de Minas Gerais e formaram o povo mineiro.
As fortes correntes de vento que se abatem sobre o Morro do Camelinho, em Gouveia, na Região Central de Minas Gerais, submetem aquele relevo a um caótico e implacável castigo. Rajadas concentradas deitam o capim amarelado em sequências que parecem marés invisíveis, produzindo um chiado compassado. Massas intensas envergam pequenas árvores, dobram arbustos e permitem até que as andorinhas pairem por alguns segundos com suas asas abertas. Sopros mais concentrados erguem a poeira de uma pequena estrada vicinal de terra, levantando nuvens de pó ou bailando com redemoinhos desgovernados. Em outro ponto, lençóis coloridos bailam no varal sacudidos pelos ventos.
O vento submete a tudo naquele rincão da Serra do Espinhaço, mas, estranhamente, quatro grandes estruturas aerodinâmicas feitas com pás e erguidas a mais de 20 metros de altura justamente para girar com essa força natural se mantêm imóveis, como se resistissem caprichosamente. Os equipamentos são parte do parque da Usina Eólica do Morro do Camelinho, construída em 1994 pela Cemig, a primeira a ser interligada ao Sistema Integrado Nacional de energia, mas que desde 2015 não gera mais nada do 1 megawatt instalado inicialmente.
Junto com Camelinho, o sonho de aproveitar a colossal força eólica das montanhas mineiras acabou sendo sepultado, tendo a Cemig preferido investir em torres aéreas em localidades menos acidentadas do Nordeste do Brasil. “A Cemig possui a participação de 93,2MW de capacidade instalada em parques de geração eólica atualmente em funcionamento. Esses parques se encontram na Região Nordeste do Brasil”, informou Alexandre Heringer, presidente da Efficientia, uma empresa do grupo da companhia energética voltada para projetos de eficiência energética.
Heringer confirma que o Espinhaço tem um grande potencial, mas, ao mesmo tempo, apresenta desafios que o deixaram em segundo plano. “É na Serra do Espinhaço que encontramos o maior potencial de energia eólica de Minas Gerais. Entretanto, devido ao relevo e topografia, o aproveitamento desse potencial é um pouco mais complexo que em áreas planas ou pouco acidentadas”, afirma Heringer. “Os investidores procuram primeiro os locais de menor investimento inicial para uma determinada produção de energia. Daí a maior concentração de usinas eólicas na Bahia do que em Minas”, conclui.
Enquanto se instalam torres eólicas ao longo de locais com maior facilidade construtiva, Camelinho vai sendo esquecida, seus geradores e turbinas enferrujando ao relento, suas cercas despencando ao redor da planta, as inscrições dos equipamentos e placas de alerta se apagam, as paredes agora sustentam caixas de marimbondos e o capim que se alastra pelo terreno se torna alimento para o gado de criadores oportunistas dos arredores.
O destino da primeira usina eólica a alimentar o sistema integrado do Brasil fica, assim, como uma lembrança que vai se esvaindo das primeiras hélices que ousaram aproveitar a força dos ventos da Serra do Espinhaço. “A tecnologia de geração eólica evoluiu muito e o tempo de vida útil dos geradores (de Camelinho) já se esgotou. Alguns equipamentos devem ser mantidos como marco histórico do setor elétrico brasileiro”, sugere o presidente da Efficientia.