GLAUCO DINIZ DUARTE O avanço da energia solar fotovoltaica no Brasil
No Setor Elétrico Brasileiro, o ano de 2016 é marcado pela entrada da fonte solar fotovoltaica (FV) no Balanço Energético Nacional (EPE, BEN 2016), como mostra a figura abaixo. Também pela primeira vez, o Brasil acolheu a feira internacional de negócios em energia solar. O evento, realizado em São Paulo, no final de agosto desse ano, mostrou que o interesse pela fonte no País é crescente. Representantes do governo e atores de toda a cadeia comemoraram a sinalização do governo em apoiar o crescimento da fonte, através da continuidade da criação de demanda via o mecanismo de leilão.
Além da modalidade de micro e minigeração, a energia solar fotovoltaica é transacionada através de Leilões de Energia de Reserva (LER), em que a quantidade a ser contratada é definida pelo governo, independentemente da declaração de demanda por distribuidoras de eletricidade. Espera-se que sejam realizados ao menos dois leilões, para a contratação de 1 GW cada, por ano. Esse montante seria o necessário para a estruturação cadeia produtiva.
Já foram realizados três leilões e haverá um quarto em dezembro desse ano. Como resultado dos leilões, em 2017 estão anunciados para entrar em operação 2,1 GW (contratados durante o 6° e o 7° LER) e, em 2018, mais 1.1 GW (contratado no 8° LER) de geração FV, na modalidade por quantidade de energia e prazo de suprimento de vinte anos. Entretanto, a expansão pode ser menos importante do que se anuncia. Levantamento realizado Bloomberg New Energy Finance, apresentado na conferência, mostra que 0,7 GW, um terço, da capacidade prevista para 2017 está em situação de risco e pode não ser concluído. Para o ano de 2018 também há problemas, somente 0,4 GW estão sendo desenvolvidos e 0,7 encontram-se em situação de risco. A situação financeira dos investidores é um dos pontos críticos.
Além dos riscos associados ao desenvolvimento dos empreendimentos, o setor teve recentemente importantes mudanças regulatórias, mediante a edição de duas portarias do Ministério de Minas e Energia (MME), a 104 e a 444. A Portaria MME nº 444, publicada no Diário Oficial da União em 29 de agosto, estabelece novas diretrizes dos próximos leilões de geração de energia que irão se aplicar ao LER a ser realizado em dezembro. De acordo com realease do MME, “o objetivo das novas diretrizes é: coordenar a contratação de geração com a conexão a instalações de transmissão existentes e com entrada em operação comercial no horizonte de início de suprimento do leilão; mitigar riscos referentes ao atraso de entrada em operação de instalações de transmissão; e dotar de maior transparência o processo para definição da Capacidade Remanescente, definindo prazos e os principais responsáveis em cada etapa.”
Um grave problema no entanto é a falta de previsibilidade com a qual os investidores terão de lidar. Somente fica estabelecido que “no prazo de até setenta e cinco dias antes da data de realização do Leilão” serão conhecidos os dados Quantitativos da Capacidade Remanescente do SIN para Escoamento de Geração, através de nota técnica ser nos sites da ANEEL, da EPE e do ONS. Além disso, a Portaria traz mais uma fonte de discricionariedade pois estabelece que “poderão ser considerados os seguintes critérios para empreendimentos de geração intermitentes: I – percentual da capacidade de Usinas Eólicas e Solares, para quaisquer instalações de transmissão nas quais se conectem Usinas dessas Fontes; e II – diversidade entre as Fontes Eólica e Solar em uma mesma Subestação ou Subárea.”
A Portaria 444 reforça a Portaria MME 104 de 23 de março de 2016, que determina que a habilitação técnica dos empreendimentos que desejam participar do certame depende da comprovação da capacidade de escoamento da sua potência associada ao Sistema Interligado Nacional – SIN. De acordo com seu Artigo 14, não será habilitado “o empreendimento de geração cujo Ponto de Conexão ao SIN tenha capacidade de escoamento inferior à sua potência injetada, observado o prazo para alteração do Ponto de Conexão”. Aqui cabe lembrar que o setor de transmissão passa por profunda crise e teve inclusive seu último leilão adiado por falta de investidores interessados.
A Portaria MME 104 ainda determina que o vendedor que não tenha comercializado a totalidade da garantia física no Leilão, se comprometa a não comercializar o restante da energia elétrica e que os vendedores não farão jus à receita de venda antes da entrada em operação comercial da Usina. Os vendedores poderão antecipar a entrada em operação comercial de seus empreendimentos de geração, desde que os Sistemas de Transmissão ou de Distribuição associados estejam disponíveis para operação comercial na data antecipada, sendo a Energia de Reserva, produzida, remunerada pelo preço contratual que for vigente no ano em que ocorrer a antecipação do suprimento, atualizado pelo IPCA. Os desvios anuais positivos da produção efetiva de energia elétrica, em relação ao montante contratado, além da margem de tolerância prevista, deverão ser reembolsados ao gerador pelo valor de trinta por cento do preço do Contrato de Energia de Reserva, em doze parcelas mensais uniformes no ano contratual seguinte. Já os desvios anuais negativos da produção efetiva de energia elétrica, em relação ao limite da margem inferior, deverão ser valorados pelo preço do CER acrescido da penalidade de quinze por cento e ressarcidos à Conta de Energia de Reserva, em doze parcelas mensais uniformes no ano contratual seguinte.
Assim, a difusão da fonte solar fotovoltaica ainda encontra importantes barreiras, mesmo sendo contemplada com leilões para sua expansão. Atrelar a expansão da fonte à expansão da capacidade de transmissão é benéfica para o equilíbrio do sistema, mas enquanto o problema da transmissão e da remuneração “do fio” não forem adequadamente enfrentados, não haverá verdadeiro avanço. Assim, podemos nos questionar se a expansão da fonte solar FV realmente deve ser dar por meio das fazendas solares que demandam novas conexões de transmissão, subestações e são menos eficientes por estarem mais longe do centro de carga. Através da micro e minigeração, se gera eletricidade onde ela é consumida e já em baixa potência. Evitam-se ainda questões fundiárias, impactos ambientais e licenciamentos, que também são fontes de atraso e de custos adicionais aos empreendimentos.
Se estamos em busca do equilíbrio do sistema também é importante se perguntar onde a eletricidade é consumida. A figura abaixo mostra claramente o peso do consumo dos setores residencial e comercial no Brasil além das importantes perdas, o que torna flagrante a oportunidade para a micro e minigeração. Ainda mais marcante é o dado que revela que cerca de 50% da eletricidade consumida no Brasil se dá nas edificações.
Do lado do financiamento, no entanto, as modalidades são as tradicionais do SEB. As novas linhas de crédito, autorizadas pelo Ministério da Integração, permitem Bancos Públicos e Fundos Constitucionais concedam crédito para projetos de energias renováveis. Entretanto, somente conseguem crédito a taxas favoráveis os grandes empreendedores ou consumidores rurais. Praticamente não existe financiamento atrativo para pessoas físicas. Faltam linhas para locador e são cobradas altas taxa de juros para pessoas físicas.
Além disso, a recente revisão da Resolução 482, que regula a micro e minigeração, não foi acompanhada por mudanças na tributação. A isenção do ICMS sobre a diferença entre a energia ativa consumida e injetada, adotada por alguns estados, se aplica somente à GD na mesma unidade consumidora ou autoconsumo remoto (mesmo titular) limitado a 1 MW , quando o teto para a classificação para micro e minigeração foi elevado para 5 MW. A isenção não se aplica ao custo de disponibilidade (Grupo B), à energia reativa (Grupo A) nem à demanda de potência (TUSD para Grupo A).
A oportunidade de expansão sustentável se encontra na difusão do modelo de negócios das Empresas de Serviços Energéticos (ESCOs), cujo serviço é proporcionar ganhos de eficiência energética aos seus clientes. Nesse negócio, um dos principais tipos de contrato é de performance, em que o financiamento do projeto é baseado no compartilhamento dos ganhos – parte para o cliente, parte para a ESCO e parte para a amortização CAPEX, em percentuais a serem definidos em cada projeto. Entretanto, somente agentes com robustez financeira serão capazes de bancar o financiamento do CAPEX dos empreendimentos.
Assim, apesar da maioria das notícias sobre a difusão da energia solar FV serem promissoras, ainda existem muitos entraves a serem superados. Nesse momento de rediscussão do modelo do SEB, é fundamental que se discuta a integração da geração distribuída, que se integre no planejamento nossos problemas de financiamento de transmissão e que se apoie a micro e minigeração distribuídas.